A criança, assim como nós adultos, deseja a gratificação dos seus sentidos. Seja comendo delicias e gostosuras, brincando sem parar ou mesmo vendo televisão por horas a fio. Mas será que ela tem condições de avaliar o impacto de suas escolhas ao longo da vida? Por exemplo, será que uma criança pode ter autonomia sobre os alimentos que ela deve comer, ou o quanto de televisão que ela pode assistir e o quanto de horas que ela precisa dormir?

Claro que ela pode e deve ter o poder de escolha, como adultos devemos cuidar para que tipo de opções oferecemos dentre o que é bom para elas. Ou seja, elas devem exercer seu poder de autonomia depois que o adulto responsável por ela ponderou as opções de escolha mais saudáveis e importantes para seu desenvolvimento físico, emocional e psíquico. Ela poderá escolher em sua refeição entre brócolis ou couve-flor não entre um salgadinho frito e ausência de legumes que já sabemos que não é saudável para o seu desenvolvimento.

A criança quer comer doces sem parar, mas sabemos que pra ela ao longo dos anos, construindo hábitos diários de refeições equilibradas, com legumes, verduras, frutas e sucos naturais é muito mais benéfico ao seu desenvolvimento que a tentação de comer biscoitos recheados, cheios de gordura trans, salgadinhos e refrigerantes com alto teor de sal e açúcar e alimentos artificiais, vendidos em pacotinhos contaminados com corantes.

Da mesma maneira não podemos crer que a criança tem o poder de decidir com fundamento o quanto de exposição aos eletrônicos é saudável ao seu desenvolvimento físico, intelectual e psíquico. Ela apenas está hipnotizada pelas telas, sem ter a capacidade de questionar os efeitos nocivos que isso pode trazer ao longo de sua vida, como sedentarismo, obesidade, falta de concentração, ansiedade, consumismo, apatia e até mesmo isolamento por preferir a interação com a tela ao invés das pessoas. Sem falar na falta de contato com a natureza e a privação do ócio criativo. Sim, as crianças deixam de brincar na natureza e em espaço abertos para estar interagindo com as telas.

Observo que muitos adultos na verdade não sustentam a frustração e o tédio das crianças, cedendo rapidamente aos pedidos infundados por um jogo no celular, tablet, a televisão ou um filme. Na verdade, a criança está apenas entediada, e precisa passar por este lugar para que sua criatividade seja despertada. E na frustração que desenvolvemos a capacidade de criar, quando estamos insatisfeitos buscamos novas maneiras de expressar o que queremos. Muitas vezes a criança só precisa ficar um pouco com ela mesma para logo inventar uma nova brincadeira, um novo jogo de sua imaginação. Quem de nós não se lembrar de procurar formas nas nuvens naquela longa e interminável viagem de carro em família? Por que fazíamos isso? Por estávamos entediados e não tínhamos mais o que fazer no carro, então criávamos brincadeiras com as nuvens, contávamos os carros, as cores, admirávamos a paisagem, desenvolvíamos a nossa criatividade, nossa interação com a natureza e com os outros a nossa volta.

Atualmente falta tempo para as crianças, elas não sabem mais o que é o ócio criativo, o tempo de ficar sem fazer nada para criar novas brincadeiras, admirar, contemplar, explorar, interagir. A maioria das crianças estão em atividade dirigidas, com a agenda ocupada de aulas extracurriculares, sem tempo para brincar e criar o novo. É responsabilidade do adulto, que conduz a educação das crianças, perceber a dimensão dos hábitos que são cultivados em sua vida e qual a consequência que isso trará em seu desenvolvimento ao longo dos anos.

Questões como: Vamos passear no shopping ou no parque? Vamos brincar ou ver televisão? Vamos comer uma fruta ou um biscoito recheado? Vamos conversar com a família no almoço de domingo ou ficar com o jogo eletrônico? São questões que não estão fundamentadas no exercício saudável da autonomia e não deveriam ser de responsabilidade da criança decidi-las.

O exercício da autonomia para as crianças é decidir entre opções que já foram previamente selecionadas pela sua família como saudáveis e adequadas ao seu bom desenvolvimento. Elas podem e devem decidir sobre que livro querem ler antes de dormir, que fruta preferem de sobremesa, se querem jogar bola ou brincar de pega-pega, se querem fazer uma trilha no parque ou brincar na areia, se querem o casaco azul ou o branco quando está frio, se preferem assistir 30 minutos de televisão no almoço ou no jantar.

Autonomia se ensina valorizando o que é realmente importante para o desenvolvimento integral da criança, muito diferente da liberdade desassistida onde elas estão livres para gratificar seus sentidos mesmo que em detrimento de sua saúde e bem-estar.

Por Renata von Poser, mãe, educadora, idealizadora da BrincaYoga. Promove as Vivências e a Formação de BrincaYoga para crianças e famílias. Formada em yoga pela Internacional Sivananda Yoga Vedanta Centers, no Canadá. Formação pela Rainbow Kids Yoga. Em processo de Formação em Pathwork como facilitadora de grupos. Bacharel em Comunicação Social e Mestre em Educação Social pela Universidade de Sevilha, na Espanha.