Entrevista para a Semana Mundial do Brincar no site Aliança pela Infância

Em 2019, a Semana Mundial do Brincar, mobilização anual da Aliança pela Infância, tem como tema “O brincar que abraça a diferença”, em um amplo espectro temático. Uma das discussões trata dos ‘Repertórios diversos do Brincar’ ao apontar que a diversidade que está na sociedade também precisa estar nas possibilidades de brincadeira que o adulto oferece à criança. Nesse sentido, é também papel dos adultos possibilitar tempo e espaço adequado e seguro para que elas possam vivenciar experiências diversas.

A diversificação de atividades, a partir de uma série de propostas de movimentação corporal e interação, possibilita que as crianças se beneficiem do ato de brincar em sua totalidade. Ou seja, uma simples brincadeira pode promover o desenvolvimento emocional, intelectual e de habilidades físicas.

O leque de possibilidades é imenso – e talvez não muito óbvio. Em alguns casos, as propostas podem até mesmo ser uma adaptação de atividades direcionadas em um primeiro momento a adultos. É o caso da ioga. Apesar de trabalhar a postura, de treinar técnicas de respiração e até de meditação, a ideia é propiciar momentos de prazer e autoconhecimento. Essa é a proposta central do trabalho  da educadora Renata von Poser, uma referência no assunto.

Definida como “uma prática educativa fundamentada nos valores filosóficos da ioga que se propõe a criar vivências lúdicas para desenvolver o autoconhecimento e promover valores”, a BrincaYoga é a metodologia educativa que Renata usa com crianças, adultos e famílias.  A partir de atividades com cirandas, músicas, histórias e técnicas de respiração, relaxamento, massagem e meditação, o objetivo é fortalecer vínculos e promover valores como amor, respeito, cuidado, generosidade, compaixão, paciência e união.

Mestre em comunicação social e formada em ioga pela International Sivananda Yoga Vedanta Centers (Canadá), Renata explica que trata-se de uma metodologia que trabalha preceitos da não violência, incluindo valores como respeito, confiança, escuta, empatia e paciência. “Nós precisamos promover na prática todos os conhecimentos que queremos passar para o grupo. Não adianta desenhar a bandeira da paz se na hora de um conflito esse conceito não é aplicado. Os valores precisam ser postos em prática a todo momento com pequenas atitudes”, ressalta.

Além de ser um ensino lúdico que promove valores, dois fundamentos da BrincaYoga, a prática também é caracterizada pelo protagonismo, ou seja, o fato do educador que conduz uma aula ou vivência permitir que cada criança envolvida possa ser a protagonista de um determinado momento. “Na minha aula, o protagonismo significa que todo mundo tem tempo para falar, seu espaço para se expressar, porque a Brincayoga tem essa preocupação de todo mundo poder brincar. Por isso ficamos sempre em roda para que todos possam desenvolver o aprendizado e se expressar.”

Como cada prática é fundamentada por um conceito e esses estão todos interligados, o protagonismo acarreta o sentimento de pertencimento. “Isso falta muito na nossa sociedade hoje em dia. São práticas que começam na infância para nutrir o grupo nesse lugar de união, protagonismo, onde todos são ouvidos e têm espaço para se expressar. Se promovida e orientada para incluir todo mundo, a brincadeira promove esses valores, diferente das brincadeiras competitivas, onde vence sempre o melhor, mais rápido, mais alto. Eu acredito que esses jogos são muito bons para educação física, mas na BrincaYoga usamos a brincadeira para o desenvolvimento do grupo enquanto entidade social”, explica a educadora.

A parte prática do BrincaYoga consiste em variações de brincadeiras tradicionais, como pega-pega, estátua, acrescidas de técnicas de respiração e postura. “Antes da técnica acontecer, explicamos como é a postura e alinhamos. É uma maneira lúdica de passar os conteúdos corporais, de brincar com o próprio corpo”, reforça Renata. Além disso, afirma que é preciso desmistificar o pensamento de que meditação é ficar sentado de olhos fechados, quando há um leque de possibilidades para trabalhar essa ação. “A meditação é uma ginástica da mente. Há várias práticas lúdicas entre jogos e brincadeiras para estimular o foco e concentração, como massagem, ouvir uma história, dançar ciranda, fazer respiração consciente e jogos de estímulos sensoriais.”

 

 

Diversidade e acesso

Para aqueles que pensam que aplicar conceitos de ioga com crianças é uma realidade distante de muitas famílias e escolas brasileiras, a educadora explica que a BrincaYoga pode ser vivenciada de duas formas. Uma opção é como atividade extracurricular, com um espaço específico para a prática. Outra é na escola mesmo. Nos dois casos, não são necessários grandes investimentos em termos de materiais. Renata explica que um espaço grande para formar uma roda e colchonetes para deitar são pontos importantes, além de materiais de artes, como canetas e massinhas.

“Eu já fiz vivências em escolas e afirmo que dá para trabalhar ioga dentro da própria sala de aula, porque a ioga é muito vasta, é uma filosofia de vida, não é só postura e malabarismo com o corpo. Dá para fazer, por exemplo, com as crianças sentadas nas cadeiras da sala, com pequenos alongamentos, uma respiração e exercícios de concentração com olhos. Isso pode acontecer cinco minutos antes ou depois do intervalo, por exemplo”, afirma Renata.

Seguindo essa lógica, a educadora explica que acredita que não se trata de falta de capacitação ou de recursos para aplicar a ioga em escolas, e sim falta de conhecimento. Com mudança e adaptação de práticas do dia a dia, é possível oferecer experiências ricas às crianças. “Se os professores tiverem um olhar apurado para as competências socioemocionais e práticas de meditação, poderiam fazer muita coisa. É possível propor uma atividade de modelagem de massinha com música alta ou com uma experiência com música clássica, as crianças de olhos fechados e em silêncio. É a mesma modelagem de massinha. Uma atividade de recorte pode ser feita com pressa, cada um sentado na sua cadeira, ou sentados em roda, em silêncio, com a professora observando com atenção como cada um manuseia os objetos. Na Educação Infantil é muito simples de inserir uma prática de ioga, pois não se trata só de postura e sim meditação, respiração, relaxamento, concentração”, explica.

Por isso, pequenos investimentos ou a redescoberta de materiais e equipamentos que muitas escolas já têm, como caixas de som e colchonetes, ajudam a diversificar as vivências para crianças. “É possível fazer ioga dentro das escolas. Com uma pequena capacitação dos professores. É possível orientar o que já está sendo feito e proporcionar esse estado de quietude e paz interior para as crianças.”